Hoje eu vi a Chuva
Depois de muitos anos eu consegui ver chover
E foi como se eu tivesse tido uma Epifania
Foi como se não tivesse sentido nada mais
Nesses meus tantos anos de vida
No jornal apenas noticias do caos da cidade
Quarenta dias chovendo...
Uma São Paulo flutuante...
Andei calmamente para fora
Senti o gosto do vendo frio no rosto
As pequenas gotículas que vinham nas suas notas
A rua estava tranquila
E aproveitei a estranha calmaria que a chuva proporciona
Fui para o meio da rua
E me deixei molhar
Brindei a vida
Como pode repentinamente lembrarmos de quem somos
De quem fomos
Da criança que simplesmente rodopiava e sorria
Na chuva somos como um rascunho sendo passado a limpo
Me tras a autoridade de que nunca poderemos mandar no tempo
E que ele pode escorrer por nosso rostos como uma longa história a ser contada
Hoje a chuva está acessa
E com gosto de Ano Novo
Os banhos de chuva trazem de volta a criança
que hoje está num corpo de mulher
A chuva cai e trás de volta o frescor da minha alma serena…
Sussurrado pelo Enigma
Mistério
Gosto de ti, ó chuva, nos
beirados,
Dizendo coisas que ninguém
entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e
ascende,
Frases que a nossa boca não
aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre
frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas,
dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu
mistério…
Quando, inerte, na paz do
cemitério,
O meu corpo matar a fome às
rosas!
Florbela Espanca